terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Malaguenã Salerosa



Certa vez, algumas vidas atrás, chegou a vila uma caravana de ciganas, em carros puxados por bois algumas se escondia dentro da carroça, outras altivas como rainhas vinham a frente montadas em cavalos, exalando no ar um perfume forte e barato, e exibindo uma falsa pose de realeza. Eram todas mulheres, nenhum homem acompanhava a comitiva. Nem poderiam, o que estas mulheres faziam entre si deveria ficar longe dos olhos dos homens comuns, apenas os mais abastado tinham o direto de desfrutar desses segredos, mas apenas destes, porque outros eram velados a todos. Essas mulheres, "nômades", viajavam de cidade em cidade para devorar os homens. As melhores só se deitavam com os homens mais poderosos, as mais velhas, doentes ou com menor critério, se deitavam com qualquer um, até os mendigos e moribundos sorriam felizes na presença das damas da noite. As mulheres da vila, as mulheres "direitas", passavam a semana chorando quando a caravana das mulheres do mundo ali estava, não havia um só homem, por mais certo ou religioso que fosse que escapasse das pernas e seios daquelas mulheres, principalmente porque todos eles esperavam ansiosos o retorna de suas ciganas, tão cheias de promessas e encantos, e o mais incrível era após o coito, molhadas e lambuzadas, escultar elas dizerem que eram mulheres de um homem só, só daquele, e que esperariam fieis e invioláveis até o dia não definido da próxima visita a aldeia. E elas pareciam tão verdadeiras nessas afirmação porque a repetiam todas as noites em todas as cidades que passavam, para todos os homens que comiam. 


Eu morei em uma das vilas, uma cidadela do interior, e vi por vezes essas ciganas de perto, me deleitei com varias, poucas vezes com as soberbas e esbeltas que viam de cavalo, empinadas guiando o cortejo das concubinas, pois estas pertenciam a homens certos, mas as ciganas vira-latas, estes eu muitas vezes tive de pernas abertas sobre mim, e por elas também fui iludido de amor perpetuo, ha! como fui, até o dia que em viajem a uma aldeia vizinha, assisti em praça publica as mesmas mulheres que amei em ação, algumas montadas sobre homens gordos e feios, outras de quatro, sendo cavalgadas pelos filhos dos senhores de terra, e estes, estes trepavam como animais, e após ejacularem nelas, as escarravam, e elas... elas sorriam como se não houvesse nada melhor no mundo. Admito que me enojei quando vi uma das que amei com um dos homens dentro da boca, mas admito, me exitei com a cena, assim chocado voltei para minha terra casa. Tempos depois quando as mesmas voltaram para minha vila, passei a olha-las com outro olhar, eram feitas para me dar prazer e nada além disso, apesar de feiticeiras não tinham mais sobre mim poder algum, ao menos não até tirarem a roupa e mantarem sobre mim. Até um dia especifico onde tudo mudou.

Nas idas e vindas do cortejo de concubinas, havia uma que dentre todas se destaca na multidão, pele brancas seios fartos, uma bunda, para mim, deliciosa, mas muito, muito nova, não aparentava mais de catorze anos de idade, ainda naquele tempo, a tempos atrás, eu me deitei com ela, tão nova, inexperiente, mas com um olhar marcante e misterioso, olhar para aqueles olhos era como olha para mil vidas passadas de uma vez, e estes olhos me cativaram como nunca antes. Eu particularmente gostava de estar com ela, poucas vezes copulamos naquele tempo, mas conversamos muitas vezes, eu lhe disse que ela nada tinha a esconder pois eu sabia da verdade da natureza daquelas mulheres, e ela apaixonada pela ideia de um ouvinte me revelou todos os segredos das ciganas, feiticeiras da noite, dançarinas do amor. Ha! quantas historias ouvi daqueles lábios de ninfeta, e assim, com o passar do tempo nos tornamos amigos, ao longo dos anos, confidentes, a a cada confidencia ela se tornava mais mulher. Não tardou muito ela se tornou umas das ciganas de "elite", agora empinada encima de um cavalo negro, era ela a escolhida a cavalgar sobre os mesmos senhores de terra que vi em outras aldeias, e também seus filhos que pouco valor tinham moral tinham, mas eram pintados a ouro. Ela por sua vez, se gabava dos mimos que recebia de seus homens, um em cada cidade, em algumas mais de um, na minha aldeia ela era noiva de um garoto jovem, de status na comunidade e de muitos amigos, ele durante as noites em que ela estava aqui, desfilava com ela como que exibe um troféu, e eu, rindo de longe do que julgava ser a miséria do outro, aguardava até que ela viesse me visitar de noite para contar o quanto não suportava as palavras de seu dito "senhor" nesta cidade, e eu ria ao ouvir as historias que ela contava de como escapava de um ou outro quando mais de um de seus homens visitava a mesma cidade. "As ciganas tem os seus meios de enfeitiçar um homem sabe" dizia ela. Claro que comigo, aquele feitiço não fazia efeito, apesar de uma mulher bonita e tentadora, de fala mansa e sedutora, eu sabia a verdade sobre ela, a conhecia como nenhum outro homem a conhecera, e sabia ao olhar na queles olhos de mil vidas, quando ela falava a verdade, ou quando mentia. Acho eu, que devia ser muito frustante, após ter possuído muito mais homens em menos de vinte anos do que eu aos trinta, tem dentre todos, um cujo o qual ela não conseguisse esconder algo, e talvez por essa diferença entre todos os outros, ela um dia me olhou, com olhos sinceros e me desejou, e eu da mesmo forma, a consumi. Nos amamos como loucos por poucos dias, uma paixão latente, trepamos quase todos os dias, fizemos amor pele na pele, corpo no corpo, num insano momento de prazer, desejei fazer um filho nela, e ela me prometeu mudar de vida, disse que largaria a caravana das mulheres ciganas, e trabalharia ao meu lado como uma mulher bem amada, de um homem só, nesse momento eu me apaixonei, ao ponto de achar irrelevante as dezenas de homens com que ela já havia dormido, afinal, oque mais valia além de um amor sincero?... Vi de perto a menina que virou mulher, conheci todos os seus truques e ha vi brincar com todo homem que usou, como um gato brinca com um rato, exceto comigo. Achei aquilo de um carinho sem igual, puritano. Eu casaria com ela na quele momento. Eis então, que como cigana, ela do nada se foi, disse que ia mas voltava logo, e desta vez o logo se tornou mais de um mês, e quando chegou, pouco falou sobre onde esteve, mas jurou não ter se deitado com ninguém, eu acreditei, porque não acreditaria afinal, eramos apaixonados, tínhamos a sorte que muitos poucos tinham, uma cumplicidade e sinceridade que ninguém mais tinha, mas, certo dia, o espirito da duvida veio me perturbar e gritou tão alto em meus ouvidos que eu não tive escolha a não ser ouvi-lo, depois de varias noites sendo delicadamente rejeitado pela minha cigana, a perguntei sem medo, deixando claro que aquela seria a unica vez que perguntaria: "Você alguma vez usou o seu feitiço em mim.?" ela exitou um segundo e respondeu: "Eu? Não. Claro que não. Que ideia!" Eu não vi os seus olhos, nem precisava, pois naquele momento eu senti na pele o poder do encanto dela, feiticeira da noite, tão poderosa como todas as outras da sua raça. Eu, fiz que sim, e acreditei, uma vez cigana, sempre do mundo, talvez o verdadeiro poder dela fosse me fazer pensar que eu nunca soube da verdade, ou talvez, quem sabe, fosse justamente outro, saber que nada nunca me escapou, e que ainda assim, ela era a cigana que eu escolhi desde pequena. A verdade tanto faz, não juro mais amor, juro apenas que adoro me perder entre elas, e que não há nada como me deitar sobre a minha cigana. Mesmo sabendo que no calar da noite futura, ela estará na cama de outros.            






segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Saudade em preto e branco.



Gravou na retina cada momento como se fosse maquina fotográfica, deixou a luz bater no corpo dela e refletir de volta a vista. Esperou queimar no fundo das orbitas como quem deixa queimar a foto no filme preto e branco. Fechou os olhos para revelar a imagem, depois guardou no portfólio da memoria. Foram lindas fotos feitas sobre corpo branco dela. 

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

João e Maria


Ela esqueceu os brincos aqui em casa. Duas argolas.
Talvez fosse a tensão da nossa primeira noite – a eletricidade sexual que causa arrepios na pele também leva o cérebro a curto-circuito. Quando se apercebeu, já estava longe, e sem o par de argolas. Eu encontrei os brincos no tapete do quarto, enquanto recolhia minhas roupas do chão.
Doze dias depois, na tarde modorrenta daquele domingo, liguei para a dona das argolas.
— Encontrei seus brincos.
— Puxa, achei que nunca mais os veria. Me custaram os olhos da cara.
— Passa aqui em casa para eu devolver.
Ela era uma mulher nascida para o sexo. Despida das roupas e do pudor, beijava minha boca fervorosamente. Para mim, ela era uma espécie de religião.
Trepamos até não sabermos mais de quem era qual mão, qual braço, qual pé. Mas havia algo além disso.
Foi a primeira vez que pensei em esquecer minhas outras mulheres.
Foi a primeira vez que pensei em casamento.
***
Naquela noite de domingo, novamente encontrei brincos no chão. Um par de corações feitos de opala. Foi então que tive uma epifania:
— Estamos brincando de João e Maria.
Ela deixava migalhas em forma de brincos no chão para encontrar o caminho de volta. Mas nessa nossa versão particular e luxuriosa da história, um devoraria o outro. Sem carochinha.
Quinze dias se passaram, tempo suficiente para minha Maria imaginar que eu pudesse não ligar mais. No jogo da sedução, o suspense é uma arma – o frio na barriga instiga ainda mais o quente do sangue. Saí com outras duas mulheres – uma delas, a morena índia esculpida e talhada à luxúria que trabalha no escritório em frente ao meu. Ia sair com uma terceira, mas minha Maria ligou.
— Acho que esqueci meus brincos na sua casa. Que cabeça a minha… Posso passar aí para apanhá-los?
Ela passou.
A noite passou.
A manhã passou.
Nós não passamos. Ficamos ali, na cama de lençol amarrotado por um dia inteiro, remoendo um desejo sem fim. Saíamos apenas para ir ao banheiro e á cozinha comer qualquer coisa, e logo voltávamos para o colchão.
No dia seguinte, meus pés pisaram duas plumas. Doeu a tarraxa fincando na sola. Era um novo par de brincos.
***
— Oi. O que vai fazer hoje?
— Nada.
— Vem em casa.
Ela chegou com fome, com fúria. Me apertava ainda no hall do prédio. Mordia. Machucava. Marcava. Cravava as unhas nas minhas costas. No quarto, berrava palavrões, me xingava de puto, me dava tapas. Mesmo esgotado, eu a desejava com cada fibra de músculo do meu corpo. Corpo este marcado pelas unhas de Maria, que me rasgara a carne e me roubara a alma.
Estávamos exaustos, mas nunca saciados. Aquela mulher deitada ao meu lado e divertindo-se com nossos corpos cansados haveria de ser minha.
— Estive pensando.
— Em quê? – ela perguntou, fechando sua pequena mão na minha
— Nisso. Em como nossas mãos se encaixam.
— Bobo. A gente se encaixa em tudo.
— Casa comigo?
Ela sorriu um sorriso redondo. Disse “sim” com um beijo.
O primeiro beijo como minha futura mulher.
O último também.
Quando entreguei o par de brincos de plumas a ela, Maria fechou a cara, apenas disse “não são meus” e bateu a porta na saída. Nunca mais retornou. Deve ter perdido o caminho de volta.


De: (papodehomem.com.br/joao-e-maria-na-cama)

quinta-feira, 7 de novembro de 2013

Amizade perecível.




Eu não vou mais atrás, ela está o tempo todo muito ocupada, sendo de todos do resto do mundo. Não sobrou espaço nenhum para quem era da antiga. Só tinha espaço para a gente como eu enquanto ela não era "popular". 

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Cigana




Vinha da necessidade do despego?
O que mudou? Porque voltou?
foi preciso perder, você perdeu e eu perdi,
Por onde você tem andado?
que vales, vilas ou cidades foram estas por onde você passou?
quem você encontrou nelas para te fazerem assim?
Tanto faz, afinal, nada mudou.
O vento que passou pela tua estrada passou aqui em casa também,
E levou com ele tudo de nós que não era verdadeiro.
Tão pouco sobrou,
tão pouco.
Sobrou.

Me deixa ler tua mão, para te mostra onde nossos caminhos se separam.
E me deixa entender que esta estrada não pertence mais a você.
Quem sabe em outra vida?

Agora você é só mais uma cigana do mundo, das ruas, como outra qualquer,
Mas alegre-se, não juro amor, mas adoro me perde entre as ciganas mundanas.
Bem vinda a este novo...
Seus novos amigos, seus novos amores.
Agora você é do mundo.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Só, verdade.



A verdade dói, mas liberta... Bem disse aquele quem falou: "Há de libertar para estar liberto", e este é um processo cruel e doloroso. Sentia-se ele confortável sentado na sua almofada de verdades não ditas, convicções forjadas e um agradável senso de puritanismo que o obrigava (ainda que não fosse tão difícil) a cultivar um largo e confiável sorriso no rosto. Vivia ela, na mentira do mundinho perfeito que criava para si, gerava verdades absolutas e falas convenientes aos personagens que habitavam o seu redor, fossem eles reais ou imaginários. Nesse teatro do vai e vem, o jogo de interesses mútuos rolava por baixo dos panos, por trás das mascaras e enganava os mestres, os alunos, os leigos, os espertos e a eles mesmos. A convicção da verdade de suas vidas fraldadas era tamanha que que viviam bem dentro de romances proibidos, contos de fada, disputas vencidas, vinganças arquitetadas, destinos cruzados e predestinados, era viver num mundo repleto de personagens sem pagar nada por isso: o vilão, a mocinha, o herói, o rival, os servos, senhores de terras, os cúmplices... Prisioneiros de suas ambições, mas, quando a verdade chega para libertar a quem pediu verdade e justiça, pouco resta além da dor da solidão. Então decidimos fugir, encarar o novo e desconhecido pois feliz é aquele que se aventura sem nada a devolver.. (Terras estranhas e solidão, eis o destino do viajante). Então na amargura de estar sozinho, conjura-se aos deuses clemencia pois, revelada a verdade, todos foram embora e não se viu o obvio: que no teatro das ambições cada um caminhou sozinho, onde nenhuma verdade foi dita nada de verdade aconteceu. Caminhamos o tempo todo só. 

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Ritual de desapego, o ritual da partida.




Caminharam um ao lado do outro o tempo que lhes foi permitido, o tempo que conseguiram estar juntos. Entre jogos e desafios, conversas e desabafos, existiu com os dois uma cumplicidade mutua, que ultrapassava os limites da linha ténue entre a amizade e o amor. Existia ali um carinho sem igual, que poucos podiam destruir ou mesmo ameaçar, num espaço de tempo que pertencia somente a eles. Houve quem tentou minar, quem da li tentou tirar proveito, até mesmo quem por vingança, ciumes ou inveja cuspiu no próprio prato em que comeu, amaldiçoou a boa sorte e deleitou-se em cama alheia. Ainda assim, de nada abalou entre os dois, ele gostava dela como a poucas gostava igual, e ela,  dele certa vez quase se apaixonou, mas nunca houve nada entre eles, tão pouco os beijos a imaginação lhes permitiu fazer recordação, o que havia acontecido entre eles, estava mais no intimo que na história. Ainda assim, a roda do tempo da vida com o seu senhor veio lhes visitar, e como num jogo de sorte, propôs um novo desafio: disse o senhor do tempo em quanto girava a roda, que era a hora de mudar, que aquela história invejava até os deuses, e a relação dos dois tinha que por fim terminar. Ela decidiu, ele aceitou por respeito a ela, a partir da quele momento não mais se falariam como antes, não no mesmo timbre de voz ou na mesma linha de pensamento, não se olhariam mais nos olhos, não na profundidade de antigamente, contemplando a alma e compartilhando segredos, e principalmente, até que o tempo se esquecesse, não mais se tocariam pele com pele, corpo co corpo, nem ao menos um aperto de mão que não fosse em publico, seria para ela, tão pecaminoso como profanar o próprio espirito. Estava ela então inclinada ao celibato? Claro que não, o senhor do tempo antes de girar a roda, sussurrou em seu ouvido: ela teria tantos homens em sua cama o quanto quisesse, aquele ali a penas, da relação que invejava o olimpo, aquele não poderia ser consumado em amor e luxuria, todo o mundo além, a ela pertencia, junto a toda liberdade e felicidade do seu novo mundo, esse era o ritual de passagem dela, nova vida com novas pessoas e novas terras a desbravar. Dado o prazo da profecia a ser contado a partir da próxima volta da roda do tempo, onde valeria o novo acordo, olharam um para a face do outro com olhar e semblante de despedida, terminava ali muitas histórias vividas e outras que nem haviam começado, e ao contemplar no olhar um a alma do outro, decidiram se despedir e se amar pela primeira e ultima vez. Foram então as mãos que tocaram o corpo um do outro, os pelos que se arrepiaram ao toque da pele, a nudez revelada para ser gravada com carinho nas retinas, foi a boca que sentiu por fim, depois de tanto querer, o sabor da outra boca, e os corpos que por um breve instante se tornaram um só. Foi como cruzar pela primeira e unica vez duas linhas que vinham em paralelo a muitos anos. Num ponto de convergência, em fração de segundos, contemplaram juntos a face de Deus, e quando voltaram em terra, já não eram mais os mesmo, estavam prontos para partir, prontos para deixar ir, sem nada a esperar e com os corações leves de certezas e paz. Viveram ali, antes do tempo os separar o momento mais intimo da sua amizade, e na cumplicidade que os uniam, fizeram juntos o ritual do desapego, da partida. Quando abriram os olhos, não havia mais o senhor do tempo nem sua roda intolerante, olharam entre si, e perceberam que não eram mais os mesmo e nem o lugar em que estavam, familiar aos dois. Não mais se tocaram ou trocaram olhares como os de antigamente, só assim valia o acordo feito entre eles e o tempo, mas viveu cintilante dentro de cada um, desde ritual de despedida, a certeza da missão cumprida, e sempre que pensavam um no outro, a distancia, estavam novamente juntos, cúmplices de uma vida bem aventurada, e com uma leveza na alma que invejaria os deuses de qualquer mitologia.

Ritos: Passagem, Raiz e Desapego



Seguimos uma vida de rituais, alguns como o de passagem, que nos transforma, é como a borboleta que antes de ganhar asas foi lagarta e no seu ritual de transformação, passou longos dias envolta em um casulo vendo apenas o seu interior. Ou o menino que saiu de sua cidade e se forjou homem em terra estrangeira, de língua estranha e de poucos amigos, este também teve em sua viagem um ritual de anos, de passagem e de mudança. A também o ritual que nós faz ficar, que cria raízes, é o trote do adolescente ao chegar na faculdade comparada ao faraó mumificado, para ficar eternizado na história, pode ser também as palavras de eu te amo, que faz quem ia querer ficar. Por fim, a mais um ritual, que só pode vir depois de todos os outros, o do desapego, da partida, o que termina com as histórias não acabadas, ou então que define de uma vez o que não estava definido, é o ritual que liberta, que revela, o apocalipse de um momento na vida de cada qual, é o homem abandonado que queima as cartas e fotos da mulher que o abandonou, é a adolescente que abdica a tudo para esquecer um único amor não correspondido, é o condenado pedindo misericórdia a Deus antes de ser executado, é o samurai enquanto desembainha sua espada antes de uma luta de morte, é a extrema unção que damos a nossa própria alma quando dizemos adeus.        

Toda Mulher é uma Puta


Toda mulher é uma puta. Inclusive a sua mãe. Toda mulher é uma puta. Inclusive a sua. Toda mulher é uma puta. Inclusive. Toda mulher é uma puta, até que se prove o contrário. Toda mulher é uma puta e cobra barato. Toda mulher é uma puta e tem seu valor. Toda mulher é uma puta e merece respeito. Toda mulher é uma puta, graças a Deus.
Toda mulher é uma puta. Quando dá na primeira noite. Quando não dá no primeiro encontro. Quando dá o cu. E quando não dá também. Toda mulher é uma puta se posa pelada. Se sai de sainha. Se sai sem calcinha. Toda mulher é uma puta quando finge o orgasmo. Quando cospe. E quando engole também. Toda mulher é uma puta chupando buceta.
Toda mulher é uma puta maldita quando fecha as pernas pra você. Toda mulher é uma puta desbocada quando fala palavrão. Atrevida quando te desafia. Sem-vergonha quando dá mole, quando dá de quatro, quando dá motivo. Quando apanha. Calada. E quando apanha. Gritando. E quando denuncia. Quando enfrenta. Quando reage. Puta mãe solteira. Quando faz um aborto, quando tira o útero. Quando joga a criança no lixo. Puta.
Toda mulher é uma puta se senta de perna aberta, se peida, se arrota, se coça o saco. Quando ganha mais que você. Quando é mais inteligente, mais sexy, mais bem sucedida, mais vivida e mais gostosa que você. Toda mulher é uma puta quando manda em você. Toda mulher é uma puta quando come mais mulher que você.
Toda mulher é uma puta mesmo sendo um cara. Mesmo se tiver barba e bigode, um pau enorme e pentelhos grossos. Seu vizinho e seu irmão. Toda mulher é uma puta se for o seu zelador. Todos somos umas putas quando estamos. Amargos, cansados, famintos, angustiados, magoados, desenganados. E quando temos dor de barriga. E quando pisamos no calo de alguém. Quando tudo dá errado. E na vitória, somos putas. E ganhando na megasena. Putas!
Então somos todos umas putinhas arrombadas no inferno e nos restaurantes fast-food. No alto do Himalaia e rodando bolsinha na alça de acesso da Marginal. Afinal puta que é puta não conhece fronteira, moral nem contra-mão. Puta que é puta não pede perdão. Nem permissão. Puta que é puta paga sua própria fiança. E sabe os filhos que tem.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Sobre o homem que começou a voar depois de conhecê-la




Quando se conheceram e gostaram tanto um do outro, ele escutou melhor as coisas e em seus olhos as linhas do mundo ficaram mais acentuadas do que antes. Ele ficou mais inteligente, mais desperto, e imaginou mais coisas para preencher os seus dias. Considerou atividades que antes lhe pareciam vagamente intrigantes, mas que agora pareciam urgentes e que, ele pensou, deviam ser feitas com sua nova companhia. Ele sentiu vontade de voar em equipamentos levíssimos com ela. Sempre se sentiu intrigado por planadores, pára-quedas, ultraleves e asas-deltas e agora sentia que este seria um aspecto de sua nova vida: que formariam um casal que voaria nos finais de semana e nas férias, em pequenas aeronaves. Aprenderiam a terminologia. Entrariam em clubes. Teriam algum tipo de trailer ou uma van bem grande, em que se transportariam a novos lugares para apreciarem lá de cima. O tipo de vôo que o interessava era próximo ao solo - menos de trinta metros acima da terra. Ele queria ver as coisas se movendo rapidamente abaixo dele, queria poder acenar para as pessoas lá embaixo, ver animais selvagens correndo e contar os golfinhos que nadavam para longe da praia. Sua esperança era de que esse seria o tipo de vôo que ela quisesse fazer também. Ele ficou tão fixado na idéia dessa pessoa, deste vôo e desta vida cingida, que não tinha certeza do que faria se não conseguisse realizá-la. Mas era estranho, ele pensou, que embora a noção de tal vôo fosse dele e que ele seria o responsável pela realização deste plano, ele precisava de outra pessoa, esta nova pessoa em seu mundo, para poder implementá-lo. Ele não queria realizar este vôo sozinho; preferia não voar a voar sem ela. Mas se pedisse para ela acompanhá-lo e ela expressasse reservas ou não ficasse inspirada, ele ficaria com ela? Será que poderia? Ele decide que não. Se ela não o acompanhar na van com as asas cuidadosamente dobradas, ele terá de partir, sorrir e partir, e então olhará novamente. Mas, quando e se ele encontrar uma outra companhia, ele sabe que seu plano não vai ser de voar. Será outro plano com outra pessoa, pois, se ele voar próximo à terra, será com ela.

De: (A Fome de Todos Nós - Dave Eggers)

quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Querer, deixar ir, esperar vir, sem esperar nada. Porque você era a diferença.



Era a companhia com a qual sonhava,
Os cabelos que me perfumavam a alma,
A textura de pele que me arrepiava ao toque
O canto da boca que fazia meus desejos
E o corpo liso branco que me alimentava as fantasias 

Eram suas ideias que nos afinizavam 
Era o meu gostar que te fazia sorrir
Foi o teu sorrir que me fez ficar
E nossa sinceridade que te permitiu partir

Havia carinho, havia desejo, havia respeito, havia amizade
Mas acima de toda cumplicidade e confusão
Existia uma característica que competia só a nós
No nosso gostar, existia lealdade.

Era te querer de mais, te deixando ir, esperando vir,
Sem esperar nada.

Nossa história só a gente fazia.

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Estrada.




Eu seguro a sua mão na minha, para que juntas possam fazer, o que as minhas não vão fazer sozinhas.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

Fé e Paciência



Plantar uma semente e ver a arvore crescer é um exercício de fé e paciência... Há de se preparar cuidadosamente a terra, escolher entre as melhores sementes, enterra-la e depois regar com atenção e carinho. É preciso saber ouvir e falar com a planta. A satisfação de ver a transformação da pequena planta em uma arvore madura leva anos, mas pode vir a valer mais do que expectativa de comer os seus furtos no futuro. Há quem apenas cultive, há quem apenas roube os frutos das arvores alheias sem o trabalho de cuida-la anos a fio, mas há também quem merecidamente plante, acredite e saboreie dos melhores e mais maduros frutos da arvore depois de adulta. Tudo é fé e paciência.

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Tristeza incolor



Tuas pinturas estavam tão belas...
Me lembro bem, colorimos juntos os desenhos da sua vida
Eu vi teu traços infantis ganharem formas de mulher
Assisti você com um sorriso sapeca, combinar os diferentes tons de tinta
E fazer arco-iris a golpes de pinceis
Vi também as suas telas em tons de cinza chumbo, quando a melancolia lhe batia
Nessas horas eu esperava você se distrair, e derrubava "acidentalmente" um frasco de tinta azul ou amarela,
Quando você reparava, tua tristeza tinha pingos de chuva com tom de morango ou kiuwi,
Era o tempo de você borrar minha testa com teu pincel, falar um palavrão e depois sorrir,
fazia sol de novo.
Certa vez a tristeza chegou pisando firme em sua casa, e trancou as portas depois de entrar.
E tu porque escondera as tintas de mim, me deixou sem saber o que fazer,
Pela janela do atelier, vi você chorar por dentro, ao apagar todas as tuas pinturas.
Eu que fui teu fã, sofri calado sua solidão em preto e branco.

Quando decidir re-pintar os teus quadros, por favor, não se esqueça de usar as cores que inventamos junto.

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

Está ai o tempo para provar que é verídico.



Me responsabilizo por cada decisão minha, cada gesto ou atitude eu tomo de maneira lucida e consciente. Se é na tua direção que vou, é porque na tua direção escolhi seguir.
Cada passo meu no teu flanco é guiado pelo pensamento de que te quero perto, sem tempo nem presa para chegar ou parti, e o que me guia é o perfume dos seus cabelos, pois caminho até ti de olhos fechados confiante no destino de te ter um dia.
Por que escolher essa direção com tantas outras a tomar? Porque em nenhuma outra delas estará você, talvez outra pessoa, tão especial quanto, mas você, com suas ideias, pensamentos, carinhos e sentimentos, só está nesta direção, onde meus pés seguem descalços, num infinito de esperanças onde você é mais que bem vinda, é unica e imprescindível.
Desculpa se te faço se sentir sem graça, só te peço que não se esqueça que existem muitas pessoas no mundo que te querem bem, que você é intensamente desejada, e que se permitir, pode ser amada e cortejada, com respeito carinho e dedicação que merece.

E que uma dessas pessoas que te quer, assim.... Sou eu.

domingo, 15 de setembro de 2013

Tempo-estade



Em um minuto do céu azul bebe fez-se um negro intenso, eram cúmulos nimbos a se moverem em grande velocidade, excitadas por fortes ventos, no seu interior viam-se raios cruzando de um extremo ao outro, positivo e negativo se atraiam em arcos voltaicos.
Caos e tormenta faziam uma paisagem aterrorizadamente linda.
...
Apenas sentei e olhei o que parecia ser o fim do mundo, e quase vi um furação se formar, Katrina, Andrea ou Agatha, poderia ser qualquer uma delas.
A tormenta veio com o doce pedido do tipo: "vem e se entrega, que o medo termina".
Continuei sentado na certeza de que tudo passa.
Momentos depois, os mesmos ventos que trouxeram as funestas nuvens as dissolveram, e o céu que se revelou era tão límpido e o ar tão leve quanto o de antes. O arco-iris que se revelara era o bônus já não esperado, mas merecido por se entender o tempo da nossa natureza.

Tudo passa.    

Partir e despertar.



Eram olhos marejados,
cansado de tanta mentira e de tanto pouco caso,
ele em fim despertou, e desperto percebeu que era usado.

"Entra no ônibus e pega o ultimo lugar, põem a tua bagagem no banco do lado, para ter certeza que ninguém sentará contigo, e ali sozinho, definha sereno pela viagem, pois serão três, oito, doze ou vinte, horas ou anos, e aprecia com gosto a paisagem, pois a história que vai passar voando pela janela, nada mais é que a história da tua vida, e se o ônibus parar para abastecer em algum lugar, desce e ama alguém como se fosse única, pois a viagem é só de ida."



terça-feira, 10 de setembro de 2013

O homen do deserto



"Desbravar o deserto não parece uma ideia muito segura, devesse cobrir-se de panos para não desidratar, saber onde andar para evitar as tempestades de areia contra o flanco, além de calcular cuidadosamente a posição do sol para não se perder por completo no grande cemitério de areia e sol." 

Todos sabiam que ele desbravaria as temerosas e traiçoeiras dunas de insegurança que se impunham em sua frente, ele tinha que buscar o que era seu, ele queria buscar o que lhe pertencia, ou pertenceu. Mas já no meio do caminho, certo de que morreria sem nada, com a boca cheia de amargura e frustração, se jogou de joelhos ao chão, fechou os olhos e imaginou sentir a brisa do mar acariciar-lhe o rosto, era ali que a jornada terminava, no meio do deserto de areia, mas a parte leve do seu coração estava em alto mar. Antes de sucumbir ele sorriu chorando por ter tudo ao mesmo e ao mesmo tempo não ter nada.  

Do homem que quis se lançar ao mar para chegar até ela.





Impaciente esperou o tempo passar, era difícil se dividir entre dois mundo tão parecidos e tão destintos, assim vivia em dicotomia, e logo, não vivia inteiro. Uma estava em terra, a outra no mar, e a ele o coração de nenhuma delas pertencia, era como ter tudo e não ter nada, cada uma protegida pelo seu senhor.
Na frustração do tempo que passava cada vez mais rápido, via a vida escorregar pelos dedos, como as areias do deserto onde uma se escondia, ou talvez, como as águas salgadas do mar onde a outra se ocultava, assim seu coração pertencia as duas, mas ele dava sempre mais do que podia receber. 
Já sem um coração para chamar de seu, ele pensou: e se ele se lança-se ao mar, decidisse encarrar o senhor das águas e toda a sua maldade, só para vê-la sorrir, será que assim, um pouco do coração dela, enfim seria dele também? Fechou os olhos e planejou a jornada, imaginou o inimaginável por ela... Eram ondas imensas, num mar de incertezas, uma verdadeira tormenta de impossibilidades, e sua única segurança no seu pequeno leito flutuante, era a certeza de que ela estaria numa ilha qualquer perdida pelo mundo. Ele venceria o senhor dos mares, desembarcaria numa praia de areias finas e pequenas conchas, quando se encontrassem ela abriria um sorriso gostoso, seus cabelos voariam ao vento, e em um abraço apertado, ela lhe daria de bom grado um beijo no canto da boca. 

 Ele atravessou um mar inteiro, para vê-la sorrir.


quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Até as estrelas.


O que te impulsiona em direção um sonho? O que te move a ponto de te fazer largar tudo? Abrimos nossa mala e colocamos tudo que parecia importante dentro, não levamos tudo, não, porque pretendíamos voltar, precisávamos de um motivo para voltar num futuro distante, mas agora, era mais que importante que fugimos, olhamos juntos tempo passar, e sentíamos a vida escorregar pelas nossas mãos no tempo de um por do sol, mas não dava mais pra ficar, amamos tanto, vivemos juntos, estávamos sempre ali, mas não partir agora era olhar um ao outro morrer infeliz, e havia tanta vida lá fora, eu fechava os olhos e te via em festas, rodeada de pessoas novas, novas histórias, novos amores, tantas outras pessoas na sua aventura, você tinha tanta estrada para correr, e nós também. 
O que me impulsiona? Meus sonhos, a excitação do novo, a concretização do ser, deixar algo de bom para o meu mundo. Eu fechei minha mala, não coloquei nela mais do que pretendia usar, pois queria que tivesse espaço para guardar nela o que eu achasse de bom no meio do caminho, o peito apertou quando pensei em nós todos longe soltos no mundo, cada um com seu qual, seus afins, e seus futuros, me lembrei de cada momento das nossas amizades, pensei em chorar, depois sorri, o mundo guardava tanto para nós, tínhamos tantos planos pela frente.

Antes de fechar a mala, guardei em uma pequena caixinha todas as nossas fotos, fizemos tantas fotos juntos. Então me lembrei de uma vez que você disse que pássaro solto, não esquece da gaiola, nem foi para mim, mas deixei a pequena caixa guardada no fundo do armário da minha velha casa, se um dia eu voltasse, seria para rir gostoso dessas recordações que fazem parte do que somos. 



E quanto a gente, quem sabe, a gente se esbarra por ai, o mesmo destino que nos une, nos separa, e pode unir de novo, afinal, o que é verdadeiro mesmo, nunca morre, estaremos junto pelo tempo que for, onde quer que for, até as estrelas.